No passado, presumia-se que as pessoas autistas eram predominantemente homens e meninos, e muito raramente mulheres e meninas. Isto está errado. Existem muitas mulheres e meninas no espectro do autismo.
✳️Embora agora saibamos muito mais sobre as experiências de mulheres e meninas autistas, a compreensão da sociedade sobre o autismo tem sido limitada por estereótipos ultrapassados e suposições incorretas. Embora a pesquisa sobre autismo e a prática profissional estejam lentamente alcançando as realidades da vida de mulheres e meninas autistas, muitas barreiras para o diagnóstico e apoio permanecem.
✳️Os médicos e outros profissionais de saúde podem não ter conhecimento sobre como o autismo pode se apresentar de maneira diferente em mulheres e meninas. Isso significa que mulheres e meninas podem ser diagnosticadas erroneamente com problemas de saúde mental ou seus traços autistas podem ser perdidos em meio aos sintomas de condições concomitantes.
➡️Portanto, conhecer para ajudar sempre será o melhor caminho!
1. Particularidades do comportamento e funcionamento cerebral feminino
No funcionamento cerebral feminino, há maior densidade de neurônios em áreas relacionadas à linguagem, associada à maior habilidade para imitação, habilidades sociais, comunicativas e empatia. Isso prevê menores dificuldades para relações sociais, interesses restritos que podem passar despercebidos ou não serem considerados “atípicos”, menor tendência a externalizar problemas (agressividade, inquietude e comportamentos disruptivos em geral) e maior uso de estratégias de camuflagem social.
Associa-se a essas particularidades o fato de a sociedade esperar comportamentos distintos entre meninos e meninas. Uma menina que apresente alguma dificuldade na comunicação e interação social, por exemplo, que não goste de toque, beijos ou brincar com outras crianças, pode ser considerada somente uma criança mais tímida. Por outro lado, meninos que se comportam de maneira mais retraída chamam mais a atenção de todos.
Tudo isso contribui para que características mais sutis presentes em algumas meninas fiquem mascaradas, atrasando seus diagnósticos.
2. Critérios diagnósticos e características subjacentes do TEA feminino
O diagnóstico no TEA é clinico, realizado por meio da observação dos comportamentos e do desenvolvimento do indivíduo nos mais diversos contextos e ambientes, o que impacta em estudos de prevalência. Soma-se a isso o fato de os marcadores comportamentais utilizados como critérios diagnósticos serem, em maioria, estabelecidos com base nas populações predominantemente masculinas previamente identificadas como autistas.
Dessa forma, acredita-se que as mulheres podem ter menor probabilidade de atenderem a esses critérios, já que a apresentação do TEA mais comumente observada entre o público feminino envolve características autistas subjacentes (que não se manifestam claramente) semelhantes às descritas nos critérios diagnósticos atuais.
3. Maior tendência ao uso de camuflagem social
Camuflagem social refere-se a um conjunto de estratégias desenvolvidas pelo próprio indivíduo com TEA a fim de “camuflar”/“mascarar” comportamentos característicos do espectro autista, com o objetivo de se adaptar melhor e atender às expectativas dos mais diversos contextos sociais.
Apesar de pode ser adotada por ambos os sexos, há um predomínio em meninas/mulheres sem deficiência intelectual.
A camuflagem social pode se apresentar de três maneiras: compensação (prevê copiar comportamentos e falas, criar um roteiro de uma possível interação social etc.); mascaramento (monitoração das próprias expressões corporais e faciais, a fim de não demonstrar que a interação social está exigindo um esforço desgastante) e assimilação (que prevê atuação em determinado contexto social, por meio de estratégias, comportamentos e até mesmo de outras pessoas, para passar a impressão de que a interação social está sendo feita).
A camuflagem social no contexto do TEA exige um esforço cognitivo considerável, gerando constantemente exaustão emocional e até física, impactando frequentemente em sofrimento psíquico. Sendo um fenômeno ainda pouco reconhecido por profissionais de saúde, parece relacionar-se a uma menor frequência de diagnósticos de TEA e a um número maior de diagnósticos errôneos.
Conclusões
Apesar das prováveis diferenças na apresentação da sintomatologia, os critérios diagnósticos para o TEA são os mesmos para ambos os sexos. Identificar o autismo nível 1 de suporte, tanto em meninas como em meninos, é naturalmente mais desafiador e pode ficar ainda mais complexo no caso de meninas se pensarmos em todas essas particularidades. Já as meninas com autismo moderado e severo (nível 2 e 3) são diagnosticadas mais precocemente, pois apresentam prejuízos e comprometimentos facilmente identificáveis.
Por tudo isso, um dos grandes desafios hoje ainda é treinar o olhar dos profissionais da saúde que acompanham a criança, assim como orientar pais, familiares, educadores e a sociedade em geral para que alguns sinais mais sutis não sejam ignorados e/ou justificados como “comportamentos esperados entre meninas ou meninos”.