Os relacionamentos amorosos, para toda e qualquer pessoa, envolvem desafios. Costumam carregar dúvidas e medos, em suas diferentes “etapas”, que vão desde o momento de conhecer alguém até desenvolver intimidade emocional e física para se construir um relacionamento que seja agradável e saudável para ambos.
Nem sempre é fácil se aproximar e demonstrar interesse, expor sentimentos, “decifrar” o outro; bem como, já em um relacionamento consolidado, lidar com novos hábitos, pensamentos, estilo de vida etc.
Pressupõe maturidade, paciência, compreensão, disposição e uma série de habilidades que vão sendo construídas ao longo da vida…
Se pensarmos no contexto do espectro autista (TEA), os desafios e superações podem ser maiores. Pode haver, por exemplo:
– dificuldade de socialização (dificultando assim conhecer alguém para se relacionar);
– dificuldades para reconhecer sinais de interesse ou de desinteresse por parte do outro;
– dificuldades em compreender e expressar os próprios sentimentos;
– dificuldades em lidar com a rejeição;
– dificuldades em variar assuntos e a rotina;
– respostas sensoriais atípicas (resultando, por exemplo, em desconforto com o toque, com o beijo, com um perfume etc.);
– ingenuidade;
– baixa autoestima, entre outros pontos.
Estratégias
Adolescentes/jovens/adultos com TEA podem aprender estratégias de habilidades sociais para relacionamentos amorosos, como compreender “jogos de sedução” e flertar, se comportar, porém, nem todos se sentem confortáveis com isso e consideram, por vezes, ser um grande “peso” usar uma “máscara”, não poderem se relacionar ou se sentir amados por serem eles mesmos.
Muitos acabam dando preferência a se relacionar com outra pessoa que também esteja no espectro. Conviver com alguém que compartilha de vivências semelhantes pode trazer mais conforto e sensação de pertencimento.
Por outro lado, se relacionar com quem não está no espectro pode lhes mostrar realidades diferentes em diversos aspectos, ao mesmo tempo em que evidenciar que todas as pessoas têm seus próprios desafios e que absolutamente ninguém experimenta uma vida sem frustrações ou obstáculos.
Muitos indivíduos com TEA vão se interessar por um relacionamento amoroso e poderão vivenciar um namoro e/ou casamento saudável.
Entre os que estão no espectro nível 2 ou 3 de suporte, pode ser mais difícil pois há maior dependência de cuidadores, bem como dificuldades na comunicação que prejudicam a compreensão sobre conceitos essenciais para relacionamentos.
Mesmo entre alguns que estão no nível 1, algum suporte pode ser necessário.
É muito importante trabalhar, desde cedo, questões relacionadas a emoções e as mais diversas habilidades que um relacionamento amoroso pressupõe no contexto do TEA, e colocar em pauta, temas como sexualidade, namoro, casamento, família, responsabilidade etc., sempre respeitando nível de compreensão e particularidades de cada um.
Quanto mais precoces tiverem sido as intervenções, melhores serão os resultados também nesse sentido de proporcionar maior domínio das próprias emoções e a construção de relacionamentos afetivos saudáveis.
Um relacionamento amoroso, quando desejado e recíproco, traz benefícios incontáveis no contexto do TEA, contribuindo para maior interação social, autoconhecimento, apoio emocional e companheirismo para desfrutar de atividades compartilhadas.
Vale reforçar: cada ser é único, com necessidades e interesses diferentes, e isso deve sempre ser respeitado.
Tabu
Falar de relacionamento amoroso no TEA e em outras condições do desenvolvimento ainda é um tabu. Existe uma ideia errônea de que a pessoa atípica seria assexuada, privada de relações afetivas mais duradouras, incapaz de falar sobre sentimentos e emoções.
Essa é uma ideia equivocada e capacitista. Pessoas no espectro podem e devem ser estimuladas e acolhidas em relação a desejos, interesses e com engajamento quando falamos sobre iniciar e manter relacionamentos afetivos sexuais.
Claro que não podemos ser idealistas e ignorar os diferentes níveis de suporte! Precisamos também falar sobre cuidado e prevenção a abusos, porque, em partes, algumas podem estar em uma condição de maior vulnerabilidade e devem ser resguardadas em situações que ainda não estão treinadas para se desempenhar ou que não tenham pré-requisitos para se protegerem.
Relacionamento integra as chamadas habilidades sociais, e podemos treinar um adolescente/jovem/adulto no espectro a lidar com a proximidade física, falar sobre suas emoções e sentimentos, entender seus limites e saber comunicá-los, viver experiências sexuais com segurança e entendimento, entre diversas outras questões.
Portanto, devemos parar de “infantilizar” o público PCD e prepará-los, respeitando os pré-requisitos de cada um, para lidarem com possíveis relacionamentos com maior segurança e liberdade de escolha.