Blog

Funções executivas e Transtorno do Espectro Autista (TEA)

05/06/2023

Quando nascemos, nosso cérebro não “está pronto”. Através da exposição às inúmeras experiências vamos construindo novas conexões e modificando a estrutura e funcionamento do nosso cérebro, ganhando novos repertórios e habilidades ao longo da vida.

No centro dessa arquitetura totalmente dinâmica, está um conjunto de habilidades complexas chamadas de funções executivas. Essas começam a se desenvolver na infância, porém, estarão totalmente desenvolvidas somente na vida adulta (por volta de 24-25 anos), e representam elementos fundamentais para o desempenho de uma pessoa ao longo de toda sua vida. Preveem o controle de comportamentos, cognição e emoções. São um conjunto de habilidades que permitem a uma pessoa direcionar seu comportamento a metas, inibir respostas impulsivas, mudar hábitos, tomar decisões, avaliar riscos e planejar o futuro (Bosa & Teixeira, 2017).
Diz respeito a um indivíduo ser apto a lidar com os outros, com as múltiplas demandas e com as inúmeras distrações.

Funções executivas são processos cognitivos complexos necessários para a organização e adaptação do comportamento a um ambiente em constante mudança (Jurado e Rosselli, 2007). Incluem habilidades como:

– Inibição (ou controle inibitório) – responsável por controlar pensamentos e comportamentos; permite ao indivíduo inibir ou controlar respostas impulsivas, respostas a estímulos distratores, interromper respostas que estejam em curso;

– Planejamento – uma operação complexa em que uma sequência de ações é monitorada, avaliada e atualizada, tornando possível ao indivíduo atingir o objetivo proposto;

– Flexibilidade cognitiva – habilidade de alternar pensamentos e/ou ações, de acordo com mudanças de ambiente ou contexto, permitindo ao indivíduo adaptar-se a novas, variáveis e inesperadas situações;

– Fluência verbal – consiste na capacidade de emitir comportamentos verbais e não-verbais, seguindo regras pré-estabelecidas (explícitas ou implícitas);

– Memória de trabalho (ou operacional) – permite ao indivíduo manipular um delimitado volume de informações necessárias para a execução de ações presentes.

TEA e Disfunções executivas

Disfunções executivas têm sido descritas com frequência no TEA e em outras condições do neurodesenvolvimento.

Em uma revisão sistemática de estudos publicados entre 2001 e 2011, Czermainski et al. (2014) encontraram uma tendência de disfunções executivas em crianças e adolescentes com TEA envolvendo os componentes da inibição, do planejamento, da flexibilidade mental, da fluência verbal e da memória de trabalho.

A disfunção executiva justifica diversas características presentes no TEA, como:

– déficits atencionais;
– dificuldades no planejamento de tarefas;
– os comportamentos repetitivos;
– os interesses restritos;
– ausência ou escassez de brincadeira simbólica;
– dificuldades em encontrar caminhos diferentes para a resolução de problemas imediatos e em lidar com o novo;
– dificuldades em compreender as intenções de outra pessoa e se relacionar de uma forma geral.

Comprometimentos em especial no controle inibitório preveem dificuldades em monitorar ações, resultando em comportamentos mais impulsivos e de hiperatividade, bem como em comportamentos-problema.

Apesar das fortes evidências de disfunções executivas no TEA, ainda não há consenso na literatura sobre quais componentes executivos estão mais prejudicados. Considerando-se que o TEA é uma condição muito heterogênea, as inúmeras possibilidades sintomatológicas justificam a variabilidade de desempenho em termos de funcionamento executivo.

De toda forma, não há dúvidas sobre a importância de se estimular as funções executivas no TEA por meio de intervenções sempre individualizadas.

Referências:

Bosa, C. A., & Teixeira, M. C. T. V. (2017). Autismo: Avaliação psicológica e neuropsicológica (1 ed). São Paulo: Hogrefe.

CZERMAINSKI, F. R. et al. Executive functions in children and adolescents with autism spectrum disorder. Paidéia, Ribeirão Preto, v. 24, n. 57, p. 85-94, abr. 2014.

Jurado, M.B. and Rosselli, M. (2007) The Elusive Nature of Executive Functions: A Review of Our Current Understanding. Neuropsychology Review, 17, 213-233.

 

@dradeborahkerches @guigreis

Dra. Deborah Kerches

Dra. Deborah Kerches
Neuropediatria e Saúde Mental Infantojuvenil
Especialista em Transtorno do Espectro Autista (TEA)

Últimas publicações

Como preparar uma criança autista para a volta às aulas?

Como preparar uma criança autista para a volta às aulas?

Como preparar uma criança autista para o início ou volta às aulas? A preparação para o início ou volta às aulas pode ser mais desafiadora entre crianças autistas, levando em conta que essas têm uma necessidade maior de rotina e previsibilidade, e que podem ser...

ler mais
Relacionamentos amorosos no TEA

Relacionamentos amorosos no TEA

Os relacionamentos amorosos, para toda e qualquer pessoa, envolvem desafios. Costumam carregar dúvidas e medos, em suas diferentes “etapas”, que vão desde o momento de conhecer alguém até desenvolver intimidade emocional e física para se construir um relacionamento...

ler mais
O que são as janelas de oportunidades?

O que são as janelas de oportunidades?

Os anos iniciais do desenvolvimento, desde a fase intrauterina, estabelecem a arquitetura básica, o funcionamento e a conectividade cerebral, o que impactará no aprendizado de habilidades nas mais diversas áreas ao longo da vida, na cognição, saúde física e qualidade...

ler mais
Autismo Regressivo

Autismo Regressivo

O termo Autismo Regressivo refere-se a casos de crianças que apresentavam desenvolvimento motor, da linguagem, cognitivo, social e emocional aparentemente típicos ou muito próximo ao desenvolvimento típico, mas, por volta de 15 a 36 meses, começaram a perder...

ler mais
Poda neural na adolescência e TEA

Poda neural na adolescência e TEA

A poda neural (ou neuronal) é um processo fisiológico geneticamente programado, em que o cérebro, resumidamente, faz uma “limpeza”, “descartando” neurônios e conexões que não estão sendo utilizados, ao mesmo tempo em que fortalece conexões mais utilizadas por ele....

ler mais
Poda neuronal da infância e TEA

Poda neuronal da infância e TEA

Poda neural (ou neuronal) é um tema que constantemente está em pauta nas discussões acerca do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Importante ressaltar que trata-se de um processo fisiológico que ocorre em todos os indivíduos, porém, que tem suas particularidades no...

ler mais
Burnout e TEA: qual a relação?

Burnout e TEA: qual a relação?

Burnout é caracterizado por um estado de esgotamento caracterizado pela exaustão física e/ou mental de longo prazo relacionada ao trabalho. Embora Burnout seja, por definição, um termo referente ao cansaço extremo relacionado ao trabalho, tem sido muito utilizado no...

ler mais