Um fenômeno importante a ser abordado no contexto do espectro autista feminino é a camuflagem social.
Camuflagem social é um termo que se refere a um conjunto de estratégias desenvolvidas pelo próprio indivíduo com TEA a fim de “camuflar”/“mascarar” comportamentos característicos do espectro autista, com o objetivo de se adaptar melhor e atender às expectativas dos mais diversos contextos sociais.
Contempla tanto o uso de técnicas conscientes como inconscientes.
Tipos de camuflagem
A camuflagem social pode se apresentar basicamente de três maneiras:
– compensação – prevê copiar comportamentos e falas, criar um roteiro de uma possível interação social etc.;
– mascaramento – prevê a monitoração das próprias expressões corporais e faciais, a fim de não demonstrar que a interação social está exigindo um esforço desgastante;
– assimilação – prevê atuação em determinado contexto social, por meio de estratégias, comportamentos e até mesmo de outras pessoas, para passar a impressão de que a interação social está sendo feita.
Camuflagem social e TEA feminino
Apesar de a camuflagem poder ser adotada por ambos os sexos, o que se observa na prática clínica e em estudos é um predomínio em meninas/mulheres sem deficiência intelectual (TEA nível 1 de suporte).
Isso porque, o cérebro feminino – mais social, com maior capacidade para empatia e habilidades comunicativas – e os comportamentos socialmente esperados favorecem a camuflagem e, consequentemente, tornam mais difícil o diagnóstico de TEA no público feminino.
Impactos da camuflagem social
Tanto com o uso de técnicas conscientes como inconscientes, a camuflagem social no contexto do TEA exige um esforço cognitivo considerável – para “mascarar”, assimilar ou compensar esses comportamentos do espectro autista –, gerando constantemente exaustão emocional e física.
Muitas mulheres autistas relatam que, após se esforçarem para camuflar características autistas, apresentam crises emocionais devido à percepção de situações sociais como “perturbadoras” (Bargiela et al., 2016). Essa exaustão que se dá repetidas vezes impacta frequentemente em sofrimento psíquico.
Interessante observar que o conceito de camuflagem social parece essencialmente carregar uma contrariedade.
Ao mesmo tempo em que se configura como uma ferramenta adaptativa, para que uma pessoa com TEA consiga “se integrar melhor” em grupos sociais não autistas, a camuflagem tende a levar a experiências extremamente negativas de ansiedade, estresse, depressão, baixa autoestima, exaustão emocional, pensamentos suicidas (Cassidy et al., 2018) e Burnout (Raymaker et al., 2020).
Com níveis mais baixos de saúde mental, a socialização é prejudicada nas diferentes esferas de interação social, como no ambiente familiar, educacional/laboral, social (Gómez, 2020).
Conclusões
Sendo a camuflagem social uma parte relativamente comum das experiências cotidianas de indivíduos autistas sem deficiência intelectual, especialmente entre meninas/mulheres, essa passa a ser uma consideração importante em ambientes clínicos e de pesquisa.
Os médicos e outros profissionais devem estar cientes da possibilidade de camuflagem durante suas avaliações, bem como da forte associação entre TEA e impactos negativos na saúde mental.
Ter conhecimento sobre esse conceito é, portanto, essencial para lançar um olhar ainda mais atento e integral às meninas e mulheres com autismo e, inclusive, àquelas que ainda não receberam seu diagnóstico de TEA mas apresentam dificuldades expressivas nas situações sociais, além de quadros relacionados a sofrimento psíquico.
O diagnóstico correto de TEA leva a maioria das mulheres com autismo a abandonar a camuflagem, diminuindo o sentimento de não pertencimento, estresse e fadiga social entre elas, contribuindo significativamente para uma melhor qualidade de vida.